Realizam-se no segundo sábado de
Janeiro – o dia do Santo seria 11 de Janeiro – na capela erguida no monte com o
mesmo nome do santo e sobranceiro à povoação de Santos, freguesia de Mação, as
festividades dedicadas a S. Gens.
O Culto deste santo, como o de
muitos outros santos mártires, pela sua condição de patronus celestiais, cujos vínculos divinos resultavam numa
superior capacidade de intersecção e protecção, remonta ao conjunto de hinos
que compõem o “Peristephanon” em que
se basearam pregadores medievais, fundadores de muitos dos actuais cultos. Para
uns é um santo de origem céltica martirizado em Arles, na Gália, nas
perseguições de 303 a
305 dC, no tempo do Imperador Diocleciano. Para outros foi martirizado em
Córdoba sendo muito venerado em Espanha como San Ginés, e ainda para alguns foi
bispo em Lisboa e pertenceu à Ordem de S. Paulo Eremita.
Igualmente variadas são as datas
das celebrações em Portugal, ao contrário de Espanha, onde as festas de San
Ginés são a 25 de Agosto.
É uma tradição ancestral a que podemos encontrar na lenda de S.Gens da
aldeia dos Santos, imagem encontrada por um pastor no cimo de um monte entre as
moitas. Foi a imagem levada para a igreja da povoação dos Santos, de onde
desapareceu durante e noite, para ser novamente encontrada no cimo do monte. A
situação repete-se algumas vezes, até que o povo decide construir uma capelinha
no local, por ser esse o desejo manifestado pelo santo.
Outra versão, mas em tudo semelhante, é-nos apresentada por Francisco
Serrano no livro “Monografia do Concelho de Mação”.
Nestes mitos das imagens aparecidas (que na maioria são imagens de Nossa
Senhora) existe um elemento essencial que é a fuga das imagens, que se processa
sempre da igreja para o monte, gruta, árvore ou penedo onde tinha aparecido,
porque a igreja é aqui entendida como o templo institucional da religião, e a
imagem que aparece nos montes pertence ao povo, que lhe reconhece poderes
especiais, identificando-se com ela, e a ela recorre em situações extremas, e é
portanto à população dos lugares que compete construir a capela para a imagem.
Alguns autores atribuem a introdução do culto de S.Gens em Portugal à rainha D. Mafalda de Saboia, mulher de D. Afonso
Henriques, com a construção da Igreja de S. Gens em Boelhe (Penafiel). Aqui,
nos Santos, o culto de S. Gens já era venerado
no século XVIII, pois no “Diccionario
Geographico de Portugal”, inventário das freguesias do Reino, realizado
após o terramoto de 1755, é referido que à distância de uma légua da vila de
Mação existia a “Ermida de Sam Gens, à
qual por ocasião do terramoto se mudarem as paredes dos seus alicerces e ficou
ameassando ruinha” …”vem romagens ao Senhor Jesus da Misericórdia e a Sam Gens
de varias partes pello descurso do anno porque sam as Imagens mais milagrosas
que tem esta freguesia”.
Tem este santo culto diminuto no país, sendo no entanto referido na Capela
de S.Gens em Serpa; Capela de São Gens- Redondo; Loriga – Manteigas;
Quintanilha – Bragança; Quadrazais – Sabugal; Mosteiro de S.Gens de Montelongo,
Fafe; romaria de S. Gens de Cidai em Bougado – Trofa; monte de S. Gens em S. João da Ribeira –
Santarém; Ermida de São Gens – Pontével; Capela de S. Gens em Pavia; Ermida de
S. Ginés em Noudar – Barrancos e Capela do Monte de S. Gens em Lisboa (hoje
capela da Nossa Senhora do Monte).
É S. Gens considerado hoje protector das artes cénicas mas mais
interessante é ser também protector das parturientes como em Serpa, na
capelinha de S. Gens, onde as futuras mães prometem uma “fitinha”de seda, a S.
Gens, para terem um bom parto e na Capela da Senhora do Monte, em Lisboa, ainda
existe a cadeira de pedra, a que chamam Cadeira
de S. Gens. Diz-se que nesta cadeira costumava sentar-se S. Gens, que
foi bispo de Lisboa e que teria sido martirizado neste local ainda no tempo do
Império Romano. Existe ainda hoje uma curiosa tradição segundo a qual uma
mulher grávida que quiser assegurar um parto bem sucedido deve sentar-se na
Cadeira de S. Gens. A própria mulher de D. João V, D. Maria Ana de Áustria, foi
lá sentar-se quando estava grávida do herdeiro do trono.
Na aldeia de Santos, junto à capela de S. Gens, existe uma fonte
considerada milagrosa para o apetite e as virtudes associadas desta fonte (Santo/água
milagrosa) têm paralelo com outra, na zona de Turquel – Alcobaça, chamada de
Fonte Moreira cuja água também é considerada aperitiva – abre o apetite e
atenua os desejos da mulher grávida.
É sabido que a fontes e as águas simbolizavam, como aqui, virtudes, e a
imersão, a ingestão ou o simples contacto com ela, comporta sempre uma
regeneração, um “novo nascimento”, porque as águas multiplicariam o potencial
da vida. Entende-se, por isso, que as virtudes curativos da água desta fonte,
por interferência de S Gens ou por qualidades medicinais, se tenham mantido na
memória das populações da região e que, associada à fonte, exista ainda a
memória da luta entre proprietários da zona pela água, o que levou a que a
fonte secasse enquanto durou a disputa, ou melhor a profanação, porque a água
não pertence aos homens mas ao santo, só tendo surgido novamente quando a água
foi restituída à população.
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