Blogue para a comunidade da aldeia do Castelo, concelho de Mação

Cavacas. Uma tradição nas festas do Castelo

Nas festas de Nossa Senhora dos Remédios, na aldeia do Castelo, era tradição realizar-se, depois da missa, uma procissão que saía da Igreja, percorria as ruas principais da povoação, com os andores das imagens da padroeira e outros santos, seguidos de dezenas de fogaças levadas à cabeça pelas raparigas, e por último o cortejo que incorporava toda a população. Estas festas religiosas, semelhantes às realizadas por todo o país nos meses do verão, terminavam com o leilão das fogaças cujo produto reverteria a favor de melhoramentos no património paroquial.
As fogaças eram grandes tabuleiros de madeira, forrados com toalhas de renda ou papel de seda recortado e levavam milho, pão, azeite, enchidos, frutas, dinheiro e cavacas.
Estes bolos, as Cavacas, comuns em todo o concelho de Mação, eram feitos pelas famílias nas semanas anteriores às festas, e postos a secar ao sol em tabuleiros forrados com a caruma dos pinheiros.
A tradição de fazer oferta destes bolos, de aparência celestial, semelhantes a “nuvens” pela leveza, forma e cobertura branca do açúcar, “a Nossa Senhora”, (as restantes cavacas eram guardados para obsequiar as visitas durante o resto do ano) tem vindo a desaparecer, e hoje quase só se encontram à venda na vila, tendo perdido o carácter artesanal/familiar e o próprio nome pois aí são chamadas de “Fofas de Mação”.

Sobre a origem deste bolo não há registos seguros mas a tradição conta que é muito antiga, e se recuarmos ao tempo do Profeta Jeremias que nasceu em 650 a.C., em Anatot, aldeia próxima de Jerusalém, vivendo num dos períodos mais conturbados da história do povo de Israel (o fim do reino de Judá, a destruição de Jerusalém e a partida do povo de Israel para o exílio e cativeiro na Babilónia), sabemos que era comum na Palestina o costume cananeu das ofertas de pães e bolos “à Rainha do Céu”, a quem atribuíam a abundância dos bens agrícolas, protecção contra as pragas da agricultura e contra a seca. A Rainha dos Céus, venerada pelas mulheres na terra de Israel era Isthar (a deusa Astarté para os cananeus), um culto dos Assírios ocidentais. Autores antigos identificam Ishtar com o planeta Vénus que é também chamado como “Senhora do Céu”. Estes bolos que as mulheres ofereciam à Rainha dos Céus tinham o nome de kavvannim, em hebraico kavouch. Os bolos que ainda hoje se fazem e se oferecem a N. S. dos Remédios chamam-se cavacas, exactamente com a mesma raiz etimológica. Não só se manteve o acto da oferta, como o nome dos bolos variou pouco entre o século VI a.C. e a actualidade, e a azáfama que o Profeta Jeremias relata (“os rapazes apanham lenha, os homens aquecem o forno, as mulheres amassam a farinha”) ainda se podia observar há umas quatro, cinco décadas na aldeia do Castelo em vésperas da festa local.
(…)“O SENHOR intimou Jeremias a transmitir as suas severas ameaças ao povo disperso e aos homens em Israel, cujas mulheres «veneravam outros deuses, mas estas responderam a Jeremias deste modo:
44.16 Quanto à palavra que nos anunciaste em nome do SENHOR, não obedeceremos a ti.
44.17 Mas certamente cumpriremos toda a palavra que saiu da nossa boca, queimando incenso à rainha dos céus, e oferecendo-lhe libações, como nós e nossos pais, nossos reis e nossos príncipes, temos feito, nas cidades de Judá, e nas ruas de Jerusalém; e então tínhamos fartura de pão, e andávamos alegres, e não víamos mal algum.
44.18 Mas desde que cessamos de queimar incenso à rainha dos céus, e de lhe oferecer libações, tivemos falta de tudo, e fomos consumidos pela espada, e pela fome.
44.19 E quando nós queimávamos incenso à rainha dos céus, e lhe oferecíamos libações, acaso lhe fizemos bolos, para a adorar, e oferecemos-lhe libações sem nossos maridos?
Digamos que é notável a provável permanência deste culto milenar de influência fenícia no território deste concelho. Também contribuiu decisivamente para essa continuidade o Papa Sérgio I, ao decidir no Concílio de Trullo (691-692) que, na incapacidade de suprimir os costumes arreigados pelas populações, se participaria neles “com outra intenção”. Deste modo, algumas práticas das antigas religiões populares tiveram continuidade no catolicismo que as absorveu e as redireccionou, como parece ter acontecido com a tradição das cavacas.
Se procurarmos “Cavacas” fora desta região do sul da Beira Baixa e norte do Alentejo (região de Niza), encontramos bolos com o mesmo nome, mas de origem, forma e receita completamente diferentes, nas Festas das Cavacas do Concelho de Resende, nas Festas de S. Sebastião, defensor dos povoados contra a peste, em Reguengo do Fetal (Alcobaça), nas Festas de S. Gonçalinho em Aveiro, e também nas Caldas da Rainha.

Receita das Cavacas (CASTELO)
Ingredientes 18 ovos, 2,5 dl de azeite, 1 cálice de aguardente, 1 colher de chá de bicarbonato de sódio, Sal qb, ½ kg de farinha, ½ kg de açúcar.
Preparação Começa-se por bater sete gemas de ovos durante alguns minutos, juntando-se de seguida, o azeite. Bate-se novamente, até que a massa se apresente engrossada. Mistura-se a aguardente, a colher de chá de bicarbonato de sódio e algumas pedras de sal. Continua-se a bater, acrescenta-se meio quilo de farinha até se conseguir obter uma massa homogénea. Assim que estiver bem ligada, coloca-se um ovo e bate-se, até ficar bem misturado na massa. Deve ter-se o mesmo procedimento em relação aos restantes 10 ovos.
Com a ajuda de uma colher de sopa, fazem-se montinhos de massa num tabuleiro que deve, posteriormente, ir ao forno de lenha.
Por último, batem-se as sete claras com meio quilo de açúcar, sumo e casca de um limão, até fazer ponto, e com esta massa, barram-se completamente as cavacas que serão secas ao sol em tabuleiros.

Arquivo do blogue