Blogue para a comunidade da aldeia do Castelo, concelho de Mação

Moinhos e azenhas do Castelo



A partir do neolítico, com a agricultura, os cereais tornam-se dos principais elementos da alimentação humana.
Inicialmente as sementes eram trituradas em mós manuais de pedra, abundantes em todos os povoamentos, mas que foram sendo substituídos por outros engenhos de moagem mais evoluídos: os moinhos de água e azenhas e os moinhos de vento.
O moinho de água, do étimo latino “mollinus”, é um moinho de roda horizontal e terá sido uma descoberta mediterrânica de influência grega. O outro modelo de moinho de água, a azenha, do árabe “as saniya”, de roda vertical, teria sido inspirado nas “saquias” persas, noras ou rodas de alcatruzes de elevar água.
Com a romanização ambos os modelos foram muito divulgados na península ibérica, e em Portugal é especialmente no norte e no centro, por serem zonas montanhosas recortadas por rios e ribeiras, que encontramos maior número de azenhas e moinhos de rodízio. O aumento da cultura dos cereais por parte de pequenas comunidades rurais levou à sua crescente expansão principalmente dos moinhos de rodízio.

Sabemos hoje que a aldeia do Castelo nasceu e se desenvolveu tendo como base os moinhos e as azenhas. Foram os moleiros e suas famílias quem primeiro aqui se fixaram, aproveitando as boas condições de terreno e hidrográficas, desviando e controlando os ribeiros com uma complexa rede de levadas e açudes com a finalidade de possibilitar a laboração dos inúmeros moinhos e azenhas e também para fazer chegar a água aos terrenos agrícolas.
A primeira referência à aldeia do Castelo, é feita no “Numeramento do Reino” de 1527-1532, realizado no tempo de D. João III, que mandou inquirir o número e o nome das cidades, vilas e lugares e respectivos habitantes, expressos em fogos ou vizinhos, nas seis comarcas do reino. Aí encontramos referência na freguesia de Mação ao lugar de “Azenhas” com 10 vizinhos.
Mais tarde no Inventário das freguesias do reino realizado em 1758, é referido para esta povoação (já com o nome de Castelo, e não o de Azenhas) que:
…“nascem no alto da ditta serra ( serra do Bando ) huns grandes olhos de agoa. Em tanta copia, que pouco distante do seu nascimento moem muitos engenhos asenhas e moinhos, e a ditta agoa se encorpora co a da ribeira de Eyras e esta desagua no Ryo Tejo”.
É nesse ribeiro, o ribeiro do Castelo, cuja parte inicial apresenta um desnível muito acentuado na zona chamada de Corga, que existiam as azenhas de roda vertical e propulsão superior, em que a água ao cair para os copos, pelo peso e pela gravidade ajuda no impulso de queda. Na zona mais baixa do ribeiro, os engenhos existentes são já os de roda horizontal ou de rodízio, nos quais a energia hidráulica é a potência de um jacto de água, estrangulado pela seteira, que incidindo sobre as penas do rodízio o faz girar, transmitindo esse movimento à mó andadeira, por intermédio do eixo. Nestes moinhos a mó anda à mesma velocidade que o rodízio, pelo que são em geral moinhos pequenos e com um rendimento limitado.

Embora os moinhos do Castelo estejam hoje praticamente abandonados e destruídos eram em grande número, sendo ainda possível contabilizá-los em mais de trinta, sendo quase metade deles localizados na zona denominada de “Soalheira” e “Corga de Baixo”. Actualmente não se encontra nenhum a trabalhar sendo o seu abandono consequência do abandono da agricultura porque as populações estão envelhecidas e ao decréscimo de população verificado a partir das décadas de cinquenta e sessenta, porque os filhos foram para os subúrbios da capital ou para o estrangeiro.

Eram os moinhos construídos com recurso à pedra local e argamassa à base de barro, aliás a mesma forma de construção também usada nas habitações. A cobertura é de uma água, de telha de canudo. Têm planta rectangular e o casal de mós está posicionado junto do lado menor, a jusante da levada ou da corrente do ribeiro. A porta de acesso está situada lateralmente, num dos lados maiores e na parede oposta uma pequena janela.
Nos moinhos de água, o mecanismo de moagem, constituído por uma mó fixa (o pouso), em posição inferior, e uma mó giratória (a andadeira), em posição superior, tem o seu eixo coincidente com o eixo da roda, assim a transmissão do movimento é realizada directamente através de um veio que liga a roda motriz à mó andadeira. O veio da roda hidráulica, a “pela” ou “árvore”, está ligado ao veio da mó através de um dispositivo amovível designado por “lobete”. Tal dispositivo permite a desmontagem, necessária para eventuais reparações.
As mós estavam envolvidas pelos “cambeiros”, um tabuado de madeira que se destina a impedir que a farinha saia por toda a periferia da mó excepto por uma abertura para um espaço fechado (o tremonhado), coberto por um pano (a talega). O mecanismo de alimentação, é uma caixa em forma de pirâmide invertida (a moega), dentro da qual é colocado o cereal a moer. O seu vértice inferior tem uma pequena abertura por onde sai o cereal para uma calha de madeira (a quelha) até ao olho da mó (orifício existente no centro da mó andadeira) de forma a proceder à sua alimentação automática por acção da gravidade, vibração produzida pelo funcionamento da mó andadeira e transmitida através de um braço de madeira designado por chamadouro. Os moinhos de rodízio desenvolvem-se sempre em dois pisos, o piso de moagem e uma pequena cave (o inferno) situada ao nível da saída de água, onde trabalha o rodízio, tradicionalmente feito de madeira mas progressivamente substituído por rodas metálicas, como é o caso do rodízio do moinho das Carreiras que é metálico e com 36 penas ou pás. De madeira só encontrámos um na Corga, desmontado, no chão junto ao moinho, e já com falta de algumas das penas.

Nas azenhas, a roda motriz tem a posição vertical (eixo horizontal) e trabalha no exterior do edifício encostada a uma das paredes. O seu diâmetro normalmente rondava os quatro metros e uma levada conduzia a água até à parte superior da roda enchendo os copos.
Sendo horizontal, o eixo necessita de uma engrenagem que modifique a sua rotação numa rotação vertical. Assim, para além da roda da água e dentro do moinho, existe uma segunda roda mais pequena – a entrosga – que possui numa das faces dentes (48 dentes tem a da azenha do Ledo), que por sua vez vão engrenar num carreto vertical cujo eixo de ferro é o veio da mó andadeira. É um sistema mais complexo onde já existe o princípio da desmultiplicação do movimento: a cada volta completa da roda de água corresponde um número de rotações do carreto e portanto de rotações da mó.
Nas azenhas também existe um mecanismo de alimentação de cereal em tudo semelhante ao dos moinhos de rodízio

Depois de verificada a quantidade de água disponível, o moleiro fazia seguir a água da levada para o cubo do moinho ou para a roda da azenha. Postas em movimento as pedras, o moleiro verificava a qualidade da farinha regulando a altura da andadeira. Por outro lado, conforme o cereal a moer, seria usada a mó andadeira mais áspera, a centieira, para o milho e centeio ou a mais fina, a alveira, para o trigo.
A quantidade de cereal moído era sempre variável, dependendo de factores como o diâmetro das mós, a força motriz dos engenhos, a abundância de água, ser moinho de rodízio ou azenha, e a dureza e qualidade dos cereais. Em média, nos moinhos de rodízio, um alqueire de milho levava cerca de hora e meia a ser transformado em farinha e um alqueire de trigo menos de uma hora. Mas as azenhas moíam no mesmo tempo o dobro de cereal o que justificava a sua construção quando o desnível do terreno o permitia.
Os moleiros do Castelo trabalhavam para clientes duma área muito grande que abrangia até povoações de freguesias ou concelhos limítrofes. Era por exemplo o caso de um moleiro da Corga que se deslocava para o Freixoeiro, Caniçal, Sarnadas, Amêndoa, Vale de Vacas e Cimo do Vale, enquanto outro já ia para Robalo, Cabo, Monte Fundeiro, Pêrogonçalves, Granja, Palheirinhos, Martinzes e Revelha.
Eram os moleiros que iam buscar o grão e entregar a farinha, ou compravam o grão e vendiam depois a farinha. O transporte era feito por burros e machos, com os “talegues” em cima, pelos carreiros que atravessavam serras e vales fazendo a ligação entre os povoados.
O pagamento ao moleiro era a “maquia”, da ordem dos 10 a 15% do produto final. Pesava-se o grão, tirava-se o “nosso restante” o que, em tempos mais antigos, era feito com o “maquieeiro”, medida redonda metálica. Por cada alqueire de cereal moído o moleiro ficava com dois “maqueeiros” de farinha.
Todos estes engenhos já vinham de geração em geração, de pais para filhos, que transmitiam os segredos do ofício. Mas sabemos também que muitos destes moinhos não tinham uma finalidade industrial, destinando-se apenas a moer os cereais que os donos produziam, funcionando de acordo com as necessidades, enquanto outros eram moinhos comunitários, pertencendo a grupos de pequenos proprietários que acordavam entre si o tempo em que cada um os poderia utilizar.

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