Blogue para a comunidade da aldeia do Castelo, concelho de Mação

A INDÚSTRIA DOS LANIFÍCIOS NO CASTELO

A indústria de lanifícios com carácter artesanal desenvolveu-se em quase todas as regiões do interior norte e centro, e o Concelho de Mação não terá sido excepção. Vários foram os reis (pelo menos desde D. João III) que protegeram e procuraram consolidar aqui estas indústrias, desenvolvendo-as de forma a abandonarem o carácter caseiro e primitivo que durante séculos apresentavam. Esta tecelagem tinha grande importância na economia familiar dos habitantes do Concelho de Mação e seria uma das principais fontes de receita das famílias do Castelo e doutras aldeias do Concelho. Existiam várias circunstâncias para que esta indústria aqui se desenvolvesse e a não menos importante era a fraca produtividade do amanho das terras, o que concorria para que as populações procurassem outros proventos fora da agricultura e da pastorícia. Na fase artesanal da indústria das lãs, os tecidos caseiros, feitos em teares manuais, por apresentarem uma textura pouco firme que se desfiava facilmente, a “encherga”, necessitavam de um acabamento especial: deviam ser “pisoados”, isto é, batidos fortemente em molhado de modo a apertar a trama. Era nos pisões que esse trabalho era realizado. Os pisões, um conjunto de dois maços de madeira articulados numa engrenagem que lhes transmitia movimentos contínuos verticais, batiam o tecido embebido em água. A força motriz que movimentava os pisões era transmitida pela rotação de uma roda exterior por acção de um curso de água, semelhante ao que se encontra nas azenhas, como era o caso do pisão da Tapada da Lameira (actualmente lagar de azeite), junto ao ribeiro do Castelo, o qual ainda funcionaria nas primeiras décadas do século passado. A existência do pisão nesta aldeia indicia que a actividade têxtil de lãzinhas, buréis e estamenhas teria aqui algum desenvolvimento. Na realidade, essa actividade existiria na Tapada da Lameira de Cima, onde também existia uma indústria de curtumes, ambas de Manuel Sebastião Tropa que tinha adquirido em Outubro de 1888 as “Tapadas d’ El Rei” (Tapadas da Lameira) a uma viúva de Mação, Maria da Conceição Antunes de Vasconcellos e Sá. Foram vários os filhos que deram continuidade a essa actividade: Arthur no Castelo, Luís também no Castelo e depois em Belver e Ricardo em Mação. Arthur, regressado da Guerra na Flandres (1917-1918) e de Turim (1919) onde tinha estado ao serviço do Exército Português, instalou uma outra fábrica de tecelagem na Tapada da Lameira de Baixo com novos e modernos teares manuais importados da Alemanha e de Itália. Esta fábrica esteve em laboração até aos anos quarenta, e seria uma das 17 indústrias têxteis do Concelho de Mação indicadas no Inquérito de 1936 do Grémio do Sul da Indústria de Lanifícios, sendo Mação e Minde os centros mais importantes de artigos regionais, dedicando-se especialmente ao fabrico de cintas, buréis, surrobecos e mantas. Mas nestes números não estavam incluídas as inúmeras tecedeiras que, pelas aldeias, ano após ano, década após década, exerciam esta actividade a nível doméstico. A incompreensão das entidades governamentais para com este tipo de actividade artesanal e para com as condições em que esta se desenvolvia está bem patente no teor do decreto-lei 28132/Novembro 1937. O artigo 23 estipulava que só podiam exercer a indústria de lanifícios os industriais que possuíssem o mínimo de 4 teares mecânicos ou 12 manuais instalados num espaço único. Tais exigências vinham afectar directamente a pequena manufactura regional. A maioria dos produtores, não possuindo as condições exigidas pelo decreto, via-se na eminência de ter que encerrar as suas oficinas. Uma década depois, estas preocupações ainda estão bem patentes no requerimento dirigido ao Ministro da Economia, enviado a 14 de Agosto de 1948 pelo industrial José Marques & Filhos, que apresentava a situação de: (…)“ter sido autorizado a instalar 8 teares manuais de 0,90 de largo, mas ao requerer os Boletins de Registo para fins de licenciamento para cada um dos teares, fui informado da obrigatoriedade da indústria ser exercida em local e estabelecimento apropriado, reunindo os teares numa só casa, para depois ser passado o alvará da licença. Ora esta imposição tornará inviável esta pequena indústria artesanal e caseira, que além de ser antiquíssima é o sustento de muitas famílias. Nesses teares manuais são feitas cintas, buréis e lãnzinhas que se destinavam aos habitantes rurais da região ou para servirem os mercados das nossas Colónias de África. Sendo regional, emprega somente tecedeiras disseminadas pelas várias aldeias do Concelho, que se entregam a este trabalho nas horas vagas, conforme os afazeres domésticos e o trabalho nos campos lhes permite” (…). De facto este e os outros industriais, trabalhavam com dezenas de tecedeiras do Castelo, Carregueira, Aboboreira, Mação, Pereiro e Santos. Pelas contribuições industriais (Fabricantes de artigos de lã) de 1929 a 1975, podemos fazer uma ideia da importância que a indústria da tecelagem tinha no Castelo até 1975, ano em que esta praticamente acabou em resultado da extinção dos mercados dos territórios africanos. E não são poucos os industriais referenciados: António Egreja, Elias Egreja, Elias Marques, Etelvino Dias Granja, Jacinto Marques, Joaquim Marques, João Marques, José Estevam Granja, José Marques, Luís Marques Aleixo, Manuel Dias Granja, Manuel Machado, Manuel Marques Morgado, Manuel Nunes da Silva e Arthur Tropa, sendo este último o único cuja produção não era de cintas, mas de casacos de malha, camisolas e meias. Todos os outros, com maior ou menor dimensão, orientavam a sua produção na fabricação de cintas, que eram enviadas directa ou indirectamente para Angola. Era este o destino das cintas (vermelhas ou pretas) que ocupavam os dias e as noites de dezenas e dezenas de mulheres e raparigas, principal fonte de recursos para que estas, casadoiras, tivessem possibilidades de comprar o enxoval e aquelas, um rendimento extra para o difícil sustento familiar. Nos poucos documentos que ainda restam podemos ter uma ideia do contributo que esta indústria deu para tornar o Castelo provavelmente a aldeia mais desenvolvida do Concelho nas décadas de quarenta a setenta do século passado. Consultando esses documentos, e a título de exemplo, constatamos que José Marques e Filhos fabricou no ano de 1945, 1065 dúzias de cintas; que Elias Egreja fabricou no ano de 1959, 4.146 dúzias de cintas e que em 1972 Joaquim Marques fabricou 2.268 dúzias de cintas. O destino final da quase totalidade destas cintas era Angola, para empresas e armazenistas de Vila Luso, Vila General Machado, Benguela, Nova Lisboa, Nova Sintra, Vila Robert Wiliams, Luanda e Lobito. Eram de facto as Colónias portuguesas de África o principal consumidor das cintas e tal facto é salientado nos impressos dos industriais, onde para além da informação de Fabricantes de Lanifícios, se acrescentava - Especialidade em Fabrico de Cintas para Indígenas. Era moroso o percurso de fabricação das cintas. O industrial comprava o fio e na urdideira era feita a teia. A teia era entregue à tecedeira que, na “aloja do tear”, no piso inferior da sua habitação e à luz da candeia de azeite, no tear manual de madeira de pinho, tecia as cintas. Depois de separadas e enroladas as franjas, eram entregues ao industrial. Este levava-as à prensa manual, intercalando cartões e chapas de ferro aquecidas para que ficassem sem vincos, como se passadas a ferro. Posteriormente divididas e atadas às dúzias eram embaladas e expedidas para as empresas que as comercializavam. A título de exemplo registem-se os preços do ano de 1967: Cintas vermelhas nº2 – 34$00 a dúzia; Cintas vermelhas nº1 – 29$00 a dúzia; Cintas pretas nº2 – 32$00 a dúzia; Cintas pretas nº1 – 27$00 a dúzia. Por outro lado as despesas desse ano de um dos industriais do Castelo foram: Fio – 18.200$00; Serviço de tecelagem – 24.800$00; Serviço de urdir – 2.620$00; Serviço de prensas – 2.550$00; Serviço de acabamentos – 1.375$00; Serviço de franjas – 1.725$00; despesas de embalagem – 960$00; Expediente – 220$00; fretes de Caminho-de-ferro – 530$00; selos fiscais – 58$00; Taxa Federação Nacional dos industriais de Lanifícios – 180$00; Licenças de comércio e Indústria – 420$00. Conclui-se que esse industrial teria que produzir e vender cerca de 1.800 dúzias de cintas só para cobrir as despesas! Hoje, quando se percorrem as ruas sinuosas da aldeia já não se ouve o matraquear dos teares pois nada resta – talvez ainda um pouco na memória dos mais idosos – dessa intensa actividade que alterou para melhor a vida de tantas famílias do Castelo. E o “agradável silêncio” que nos envolve, o que nos mostra principalmente, é ser esta uma aldeia quase sem vida e sem habitantes.

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